agosto 13, 2005

The Lurker: Diário de uma Terra Estranha - Caderno XI: It´s up to you, Manhattan.

Um pequeno update do dia anterior: com a correria da saída de Philli, perdi TODAS as minhas chaves, que deixei sobre a cama no Marriot na hora do pânico. Inúteis tentativas de fazer com que as mesmas me fossem restituídas seguiram-se no decorrer da semana. Por hora bastou-me chamar o chaveiro do hotel que, com uma gazua, resolveu em menos de um minuto meu "padlock embarassement", destruindo minha fé nos cadeados da Papaiz. Ele era um alemão falante, o que é uma contradição em termos, mas faz parte do "melange" que é NYC. Fiquei assombrado com a velocidade dele e, feliz em não ter de estuporar minha bagagem, enfiei-lhe cinco dólares na mão.

Com o fuso (confuso) horário ainda virado, acordo as seis da manhã, hora local. Olho a janela e, pelas cortinas abertas, descubro uma fina camada de gelo formada no vidro, do lado de fora. Neve limpa, fina e suave havia se depositado nos telhados no decorrer da noite. Linda vista, sem dúvida, mas que provavelmente não sobreviveria além das 9h00.

Animado com o início de um domingo desta ordem, pulei em minha capa cinza, meu cachecol especialmente tricotado a uns tantos anos e voei porta à fora. Note-se que, pela idade e pela milhagem, esta capa poderia ir e vir sozinha de Manhattan, dado que me acompanha desde 1992. Atravessei a rua para a Deli em frente do hotel (a deles é lamentável e a estadia não inclui café). Quem se importa? Pedi um lox-creamcheese-bagel, um café e fui andar. Sim, a comida tem o gosto da embalagem. Sim o café veio em balde e via-se o fundo... yuck! Serviu para manter minhas mãos aquecidas no frio de 27º F das sete desta manhã modorrenta.

Naturalmente, ao nível do solo, a fina camada de neve, aonde esta sobrevivia, já estava pouco atraente e suja. Em alguns pontos, era lama pura, ou água suja, mas os transtornos que isso causa ninguém nunca conta. O caso é que, em um domingo, de manhã cedo, quase nada acontece em NYC, mesmo que a cidade nunca durma (deve ser um cochilo quando ninguém está vendo). E isso pode ser comprovado em Times Square que, sempre tão frenética, permitia inclusive sentar no meio da pista do entroncamento da Broadway.

Preferi, contudo, sentar-me no meio fio e, com meu café ao lado, fiquei ouvindo o silêncio, quebrado de vez em quando pelos ruídos da cidade ao longe. Que coisa mais improvável e, até certo ponto, impressionante... Uma visão diversas vezes tratada pelo cinema em filmes de holocausto, como "The Omega Man" ou, em breve passagem, no final de "Devil´s Advocate". Fui o próprio Charlton Heston por uma dezena de minutos de tranqüila meditação em um dos eixos da capital do mundo. Mixed feelings... Strange contemplations. music, courtesy of David Mann & Bob Hilliard (1963) by way of Mr. Frank Sinatra.

In the wee small hours of the morning
While the whole wide world is fast asleep
You lie awake and think about the girl
And never ever think of counting sheep

When your lonely heart has learned it?s lesson
You?d be hers if only she would call
In the wee small hours of the morning

That's the time you miss her most of all

Levantei-me e, com meu Sinatra na cabeça, segui para a Grand Central, passando pela NYPL (New York Public Library), um de meus edifícios favoritos em que, uma homenagem ao povo Brazuca permanece de pé em bronze eterno (desde 1958). Quer saber o que é? Vá ao jardim de leitura, na parte de trás e procure, ora (1)... :-). A GCS estava, igualmente, vazia... Charlton Heston e eu atravessamos na direção do subway e lá fui eu me entender com os novos cartões da Transit Autority que substituíram meus amados tokens...

Saco. Ocorre que você ainda tem que comprar o cartão nos quiosques e, depois, na medida do necessário, carrega-los nas "vending machines". Como nada disso é explicado, levei dez minutos para entender a dinâmica, cinco dos quais tentando fazer com que a vending machine aceitasse meu dinheiro, sem o cartão (2 pontos para o neanderthal, duh!).

Finalmente chegando ao MET pelas 9h00, das poucas coisas que abrem nesse período de tempo e dia, surpreendo-me com minha falta de sorte: a exposição de destaque é sobre a China (imperial, é verdade, mas um assunto que não me atrai nem um pouco). Volto minha preferência para uma coleção de bronzes franceses, cujo processo de manufatura está sendo cuidadosamente debulhado e esclarecido com o auxílio da tecnologia. Ponto para uma coleção de impressionistas, cronologicamente agrupando Monet, Matisse, Cezzanne, Degas, Pissarro e outros que não me recordo. Aprecio especialmente um Pissarro cuja reprodução tenho em meu escritório.

O início do almoço foi um DeSaStrE. Meu restaurante favorito foi transformado na extensão da seção estrusco-romana... Era um oásis, com certo requinte e charme, fugindo da multidão de nipônicos ensandecidos e suas câmeras nucleares de mil gigabites. Será que somente me restará a cafeteria e o "self service"? O Balcony Bar, ainda no inverno, somente funciona nas sextas e sábados e são uma boa pedida para o fim da tarde, quando se toca Jazz e clássicos. Boa acústica, tem o Main Hall.

Felizmente não. O Petrie Court e sua agradável vista do Central Park foi incrementado para pessoas que, como eu, não estão particularmente interessadas em sanduíches frios e coca a sete dólares. Recomendo fortemente a Bruschetta (servida com ovos pochês, presunto serrano, cebolas caramelizadas e batatas sautés, em molho holandês), acompanhada de uma taça de cabernet. Tudo a honestos dezenove dólares, plus gratuity.

Descobri o paradeiro de Ernest, o cavalheiro de bigodes à moda de Salvador Dali que era quase que uma marca registrada no antigo restaurante. Conta a lenda que fez o caminho que a Nanny gostaria de ver sua mãe tomar: mudou-se para a Flórida. Eventualmente retorna NY e mantém boas relações com sua antiga equipe no MET.

O resto do dia foi dedicado a atividades similares, como um de meus "personal favorites" a seção de armas e armaduras medievais. Afinal, na qualidade de colecionador de espadas e sabres, o processo de fabricação, conservação e outras coisas relacionadas a armas antigas interessa-me sobremaneira. Assim, fiquei sapeando uma apresentação de ?alto nível? dedicada a um grupo de especialistas franceses. Eles foram corteses (à sua maneira) e fizeram de conta que eu não estava lá. Ao final ainda pude conversar sobre "minhas dúvidas" (très mechant, ce mec, n´est pás?) com o guia, um francês de Marselha.

Enfim, às 18h30 peguei meu rumo, andando da quinta avenida de volta à meu canto, para encontrar uma Times Square como normalmente é retratada: esfusiante, agitada e repleta de gente. Grande o contraste entre o observado na manhã, com a multitude usual de turistas e domingueiros (você não odeia turista com cara de turista?). Eu, pessoalmente, não consigo olhar uma segunda vez para uma pessoa com boné "Eu "coração" NY".
Passei na deli, pedi um subway sandwich (com o eterno gosto da embalagem, o mesmo da manhã, agora com molho ranch) e fui para meu canto assistir Enterprise e subseqüências... já às 19h30 a noite não estava para mim e o (con)fuso horário jogava contra a torcida... Cya!

The Lurker says: Everything has been figured out, except how to live. (Jean-Paul Sartre)
A seguir o caderno XII (Surprise, it´s me again!)

(1) Ok, ok é uma estátua em tamanho natural de José Bonifácio de Andada e Silva, doada pelo governo Brasileiro em 1958.